A Maldição do Lancia número 4
Se o dia 1 de Maio de 1994
será para sempre recordado como o dia mais negro na história da F1, o dia 2 do mesmo mês também ficará
eternamente gravado na memória de todos aqueles que amam os ralis. O dia 2 de
Maio de 1985 e 1986, ficará para sempre marcado pelo desaparecimento de dois
grandes nomes do automobilismo mundial: Attilio Bettega e Henri Toivonen.
Curiosamente usavam ambos o mesmo número, o 4.
Henri Toivonen e Sergio Cresto
Filho de Pauli Toivonen,
antigo Campeão Europeu de ralis em 1968, Henri cedo demonstrou dotes para a
condução. Tendo aprendido a conduzir com 5 anos, e apesar da sua ligação aos
ralis, foi nos karts que começou.
Harri, Pauli e Henri Toivonen |
Conseguiu alguns títulos, mas
a sua verdadeira paixão eram os ralis e por isso dedicou-se a eles a tempo
inteiro mais tarde. O seu kart foi vendido aos pais de um rapaz de 6 anos
chamado Mika Häkkinen, que curiosamente viria a sagrar-se Campeão Mundial de F1
por duas vezes.
Henri Toivonen, estreou-se no
Mundial de Ralis (WRC) com 19 anos, precisamente na prova do seu país, mas
viria a desistir ao volante de um Simca Rallye 2, tendo a seu lado Antero
Lindquist.
Sendo um dos pilotos mais
espectaculares do mundo, rapidamente despertou a atenção de diversas marcas.
Tal facto permitiu-lhe dar um passo em frente na carreira ao entrar para a
Talbot em 1980, mas apenas à experiência.
Toivonen com um Talbot Sunbeam Lotus |
O seu principal problema era o
estilo demasiado exuberante que fazia com que os muitos acidentes não deixassem
aparecer os resultados representativos do seu ritmo em prova e que fizeram com
que trocasse de navegador diversas vezes.
Numa altura em que ninguém
esperava, Henri Toivonen vence a sua primeira prova do Mundial, o RAC
(Grã-Bretanha), em 1980. Com apenas 24 anos e 86 dias, vence o rali com 4
minutos de avanço sobre Hannu Mikkola, tornando-se assim no mais jovem piloto
de sempre a vencer uma prova do WRC, um recorde que só viria a ser quebrado em
2008 por Jari-Matti Latvala.
Toivonen com o Opel Ascona 400 |
Em 1982 Toivonen entra para a
equipa Opel, juntando-se a Ari Vatanen, Walter Röhrl e Jimmy McRae, mas tem
dificuldades em adaptar-se ao Ascona 400. No ano seguinte passa a guiar o Manta
400 com mais sucesso, mas com algumas desistências. Nesse mesmo ano faz o Rali
de San Marino ao volante de um Ferrari 308 GTB e ainda algumas provas de
circuito.
Toivonen com um Porsche 911 SC RS |
Em 1984 esteve para ingressar
na Peugeot, mas acabou por ficar na Porsche no Campeonato Europeu de Ralis com
a assistência da Prodrive, uma nova preparadora de David Richards. Nesse mesmo
ano guiou um 037 pela Lancia em 3 ralis do WRC.
Toivonen ao volante do Lancia Rally 037 |
Em 1985 com a Lancia, começa a
temporada com um violento acidente no Rali Costa Esmeralda, uma prova a contar
para o europeu da modalidade. Nesse mesmo ano, Henri e Markku Alen perdem o seu
colega de equipa Attilio Bettega no Rali da Córsega, ou rali das 10.000 curvas
como também é conhecido.
Attilio Bettega |
Na 4ª PEC, Zérubia – Santa
Giulia, Bettega perde o controlo do seu Lancia Rally 037 a mais de 150 Km/h
embatendo em várias árvores. A violência dos impactos fez com que o seu assento
fosse perfurado causando a morte instantânea do piloto. O seu navegador, o
também italiano Maurizio Perissinot, escapou ileso.
Attilio Bettega no Rali de Portugal 1984 |
O acidente de Bettega veio alertar
os responsáveis para os aspectos de segurança dos carros do então chamado Grupo
B. Apesar de algumas alterações terem sido feitas, a tragédia estava longe de
ter terminado …
Entretanto, e depois de
recuperar do seu acidente, Toivonen regressou à competição com bons resultados,
mesmo que o 037 não favorecesse o seu estilo de condução e tivesse muito menos
potência que o Peugeot ou o Audi.
Nessa mesma temporada, no
último rali, o RAC, a Lancia estreia o seu novo Delta S4 com o qual Toivonen
ganha a prova, sendo a segunda posição ocupada por Markku Alen em carro
idêntico.
Henri Toivonen e Sergio Cresto |
A temporada de 1986 começa com
uma vitória expressiva de Toivonen no Rali de Monte Carlo, uma prova ganha pelo
seu pai 20 anos antes. A nova temporada também marca a estreia de um novo
navegador, Sergio Cresto, um americano de ascendência italiana que já tinha
feito dupla com Attilio Bettega.
No Rali da Suécia desiste com
problemas no motor e no Rali de Portugal abandona em protesto pelas condições
da prova, depois do acidente de Joaquim Santos em Sintra que causou 4 mortos e
mais de 30 feridos.
O acidente de Joaquim Santos em Sintra |
Ainda em Portugal aproveita
para testar o S4 e numa volta ao Circuito do Estoril consegue uma marca que lhe
permitiria obter um 6º lugar na grelha de partida do GP de Portugal de F1 desse
ano.
Na Volta à Córsega, a 5ª prova
do ano, Toivonen estava doente com gripe e com fortes dores de garganta, mas como
não tinha pontuado nas duas provas anteriores, insistiu em conduzir. Exausto e
fortemente medicado Toivonen tinha alguma dificuldade em manter o S4 dentro da
estrada, era demasiada potência para um rali incrivelmente sinuoso como é o da
Córsega.
O Delta S4 de Toivonen na Córsega |
Mesmo assim já liderava a
prova com alguma vantagem, mas ao quilómetro 7 da especial nº 18, Corte –
Taverna, não evitou uma saída de estrada numa curva sem protecção. O Lancia
caiu numa ravina e embateu numa árvore que rompeu o depósito de combustível
causando uma explosão da qual Henri e Sergio não conseguiram escapar.
Toivonen na Córsega em 1986 |
Poucas horas depois, o então
presidente da Federação Internacional do Desporto Automóvel, o francês
Jean-Marie Balestre, anuncia o fim dos Grupo B para a temporada seguinte.
O Lancia Delta S4 com o número 4 |
Após a extinção dos Grupo B,
diversos estudos demonstraram que estes carros estavam muito além das
capacidades humanas de controle. Com acelerações dos 0 aos 100 em pouco mais de
2 segundos, o tempo de reacção dos pilotos era inferior às rápidas mudanças de
direcção e, por vezes, a alta velocidade criava o efeito de “visão em túnel”,
impedindo a avaliação correcta do traçado e das suas armadilhas.
O que restou do Delta S4 |
Muitos competidores reclamavam
e até mesmo Henri chegou a fazer declarações sobre a rapidez destes bólides e
disse que “tinha ganho o RAC com o Delta, mas não sabia controlá-lo. Ele
parecia que tinha uma mente própria.”
Cesare Fiorio, na altura chefe
da Lancia e bastante próximo de Toivonen, disse um dia que o Henri teria sido o
único capaz de extrair tudo o que o S4 poderia oferecer.
Os números podem atestar a
veracidade dos depoimentos sobre as capacidades e coragem do finlandês.
Toivonen participou apenas em 40 provas do Mundial, tendo vencido três. A
explicação para o seu sucesso entre os fâs do WRC são as suas 185 vitórias em
especiais e os 22 abandonos, mostrando o quanto ele arriscava para levar cada
carro ao limite.
A francesa Michèle Mouton,
antiga piloto de ralis, organiza todos os anos em sua memória a Corrida dos
Campeões, uma prova que engloba diversas lendas dos ralis e dos circuitos.
Henri Toivonen é um dos
pilotos de rali mais conhecidos de sempre, para alguns é mesmo o melhor de
sempre. É, talvez, a vítima mais visível dos Grupo B, que tinham tanto de
espectacular como de perigoso…!
Attilio Bettega, Molveno – Itália
19-Fevereiro-1953 – 02-Maio-1985
Henri Toivonen, Jyväskylä – Finlândia
25-Agosto-1956 – 02-Maio-1986
Sergio Cresto, Nova Iorque – E.U.A.
19-Janeiro-1956 – 02-Maio-1986
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