domingo, 10 de julho de 2016

A Maldição do Lancia número 4

Se o dia 1 de Maio de 1994 será para sempre recordado como o dia mais negro na história da F1, o dia 2 do mesmo mês também ficará eternamente gravado na memória de todos aqueles que amam os ralis. O dia 2 de Maio de 1985 e 1986, ficará para sempre marcado pelo desaparecimento de dois grandes nomes do automobilismo mundial: Attilio Bettega e Henri Toivonen. Curiosamente usavam ambos o mesmo número, o 4.
Henri Toivonen e Sergio Cresto

Filho de Pauli Toivonen, antigo Campeão Europeu de ralis em 1968, Henri cedo demonstrou dotes para a condução. Tendo aprendido a conduzir com 5 anos, e apesar da sua ligação aos ralis, foi nos karts que começou.
Harri, Pauli e Henri Toivonen
Conseguiu alguns títulos, mas a sua verdadeira paixão eram os ralis e por isso dedicou-se a eles a tempo inteiro mais tarde. O seu kart foi vendido aos pais de um rapaz de 6 anos chamado Mika Häkkinen, que curiosamente viria a sagrar-se Campeão Mundial de F1 por duas vezes.

Henri Toivonen, estreou-se no Mundial de Ralis (WRC) com 19 anos, precisamente na prova do seu país, mas viria a desistir ao volante de um Simca Rallye 2, tendo a seu lado Antero Lindquist.

Sendo um dos pilotos mais espectaculares do mundo, rapidamente despertou a atenção de diversas marcas. Tal facto permitiu-lhe dar um passo em frente na carreira ao entrar para a Talbot em 1980, mas apenas à experiência.
Toivonen com um Talbot Sunbeam Lotus
O seu principal problema era o estilo demasiado exuberante que fazia com que os muitos acidentes não deixassem aparecer os resultados representativos do seu ritmo em prova e que fizeram com que trocasse de navegador diversas vezes.

Numa altura em que ninguém esperava, Henri Toivonen vence a sua primeira prova do Mundial, o RAC (Grã-Bretanha), em 1980. Com apenas 24 anos e 86 dias, vence o rali com 4 minutos de avanço sobre Hannu Mikkola, tornando-se assim no mais jovem piloto de sempre a vencer uma prova do WRC, um recorde que só viria a ser quebrado em 2008 por Jari-Matti Latvala.
Toivonen com o Opel Ascona 400
Em 1982 Toivonen entra para a equipa Opel, juntando-se a Ari Vatanen, Walter Röhrl e Jimmy McRae, mas tem dificuldades em adaptar-se ao Ascona 400. No ano seguinte passa a guiar o Manta 400 com mais sucesso, mas com algumas desistências. Nesse mesmo ano faz o Rali de San Marino ao volante de um Ferrari 308 GTB e ainda algumas provas de circuito.
Toivonen com um Porsche 911 SC RS
Em 1984 esteve para ingressar na Peugeot, mas acabou por ficar na Porsche no Campeonato Europeu de Ralis com a assistência da Prodrive, uma nova preparadora de David Richards. Nesse mesmo ano guiou um 037 pela Lancia em 3 ralis do WRC.
Toivonen ao volante do Lancia Rally 037
Em 1985 com a Lancia, começa a temporada com um violento acidente no Rali Costa Esmeralda, uma prova a contar para o europeu da modalidade. Nesse mesmo ano, Henri e Markku Alen perdem o seu colega de equipa Attilio Bettega no Rali da Córsega, ou rali das 10.000 curvas como também é conhecido.
Attilio Bettega
Na 4ª PEC, Zérubia – Santa Giulia, Bettega perde o controlo do seu Lancia Rally 037 a mais de 150 Km/h embatendo em várias árvores. A violência dos impactos fez com que o seu assento fosse perfurado causando a morte instantânea do piloto. O seu navegador, o também italiano Maurizio Perissinot, escapou ileso.
Attilio Bettega no Rali de Portugal 1984
O acidente de Bettega veio alertar os responsáveis para os aspectos de segurança dos carros do então chamado Grupo B. Apesar de algumas alterações terem sido feitas, a tragédia estava longe de ter terminado …

Entretanto, e depois de recuperar do seu acidente, Toivonen regressou à competição com bons resultados, mesmo que o 037 não favorecesse o seu estilo de condução e tivesse muito menos potência que o Peugeot ou o Audi.

Nessa mesma temporada, no último rali, o RAC, a Lancia estreia o seu novo Delta S4 com o qual Toivonen ganha a prova, sendo a segunda posição ocupada por Markku Alen em carro idêntico.
Henri Toivonen e Sergio Cresto
A temporada de 1986 começa com uma vitória expressiva de Toivonen no Rali de Monte Carlo, uma prova ganha pelo seu pai 20 anos antes. A nova temporada também marca a estreia de um novo navegador, Sergio Cresto, um americano de ascendência italiana que já tinha feito dupla com Attilio Bettega.
Toivonen no Rali Monte Carlo 1986
No Rali da Suécia desiste com problemas no motor e no Rali de Portugal abandona em protesto pelas condições da prova, depois do acidente de Joaquim Santos em Sintra que causou 4 mortos e mais de 30 feridos.
O acidente de Joaquim Santos em Sintra
Ainda em Portugal aproveita para testar o S4 e numa volta ao Circuito do Estoril consegue uma marca que lhe permitiria obter um 6º lugar na grelha de partida do GP de Portugal de F1 desse ano.

Na Volta à Córsega, a 5ª prova do ano, Toivonen estava doente com gripe e com fortes dores de garganta, mas como não tinha pontuado nas duas provas anteriores, insistiu em conduzir. Exausto e fortemente medicado Toivonen tinha alguma dificuldade em manter o S4 dentro da estrada, era demasiada potência para um rali incrivelmente sinuoso como é o da Córsega.
O Delta S4 de Toivonen na Córsega 
Mesmo assim já liderava a prova com alguma vantagem, mas ao quilómetro 7 da especial nº 18, Corte – Taverna, não evitou uma saída de estrada numa curva sem protecção. O Lancia caiu numa ravina e embateu numa árvore que rompeu o depósito de combustível causando uma explosão da qual Henri e Sergio não conseguiram escapar.
Toivonen na Córsega em 1986

Poucas horas depois, o então presidente da Federação Internacional do Desporto Automóvel, o francês Jean-Marie Balestre, anuncia o fim dos Grupo B para a temporada seguinte.
O Lancia Delta S4 com o número 4

Após a extinção dos Grupo B, diversos estudos demonstraram que estes carros estavam muito além das capacidades humanas de controle. Com acelerações dos 0 aos 100 em pouco mais de 2 segundos, o tempo de reacção dos pilotos era inferior às rápidas mudanças de direcção e, por vezes, a alta velocidade criava o efeito de “visão em túnel”, impedindo a avaliação correcta do traçado e das suas armadilhas.
O que restou do Delta S4

Muitos competidores reclamavam e até mesmo Henri chegou a fazer declarações sobre a rapidez destes bólides e disse que “tinha ganho o RAC com o Delta, mas não sabia controlá-lo. Ele parecia que tinha uma mente própria.”

Cesare Fiorio, na altura chefe da Lancia e bastante próximo de Toivonen, disse um dia que o Henri teria sido o único capaz de extrair tudo o que o S4 poderia oferecer.

Os números podem atestar a veracidade dos depoimentos sobre as capacidades e coragem do finlandês. Toivonen participou apenas em 40 provas do Mundial, tendo vencido três. A explicação para o seu sucesso entre os fâs do WRC são as suas 185 vitórias em especiais e os 22 abandonos, mostrando o quanto ele arriscava para levar cada carro ao limite.


A francesa Michèle Mouton, antiga piloto de ralis, organiza todos os anos em sua memória a Corrida dos Campeões, uma prova que engloba diversas lendas dos ralis e dos circuitos.

Henri Toivonen é um dos pilotos de rali mais conhecidos de sempre, para alguns é mesmo o melhor de sempre. É, talvez, a vítima mais visível dos Grupo B, que tinham tanto de espectacular como de perigoso…!


Attilio Bettega, Molveno – Itália   19-Fevereiro-1953 – 02-Maio-1985
Henri Toivonen, Jyväskylä – Finlândia   25-Agosto-1956 – 02-Maio-1986
Sergio Cresto, Nova Iorque – E.U.A.   19-Janeiro-1956 – 02-Maio-1986 

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